LIMA, L. M. M. ; FERREIRA, Angela Lúcia de Araújo . Modernismo à prestação: 'sugestões' modernas na Natal/RN dos anos 1950. In: VI ENANPARQ, 2021, Brasília. Anais.... Brasília: FAU-UnB, 2021. p. 258-262.

Componentes: Luiza Maria Medeiros de Lima e Angela Lúcia de Araújo Ferreira
Resumo:

A partir dos anos 1930, trabalhadores passaram a ser beneficiários potenciais de uma política nacional de habitação operacionalizada pelas Caixas e Institutos de Aposentadoria e Pensões - CAPs e IAPs - até 1964. Essa mudança se inseriu no contexto de expansão dos direitos sociais daqueles que, identificados pela Carteira Nacional do Trabalho, organizados por categorias e amparados pela legislação trabalhista, seriam identificados como figuras chave no projeto de modernização nacional. O novo "trabalhador brasileiro" conquistava uma nova cidadania - ainda que "regulada" -, juntamente com a promessa de sua inclusão na sociedade de consumo emergente . Nesse contexto, cerca de 500 famílias potiguares tiveram acesso a financiamentos para adquirir novas residências. Tendências racionalizantes figuravam na arquitetura da capital potiguar, em prédios institucionais - como a Sede da Repartição de Saneamento de Natal - e residências particulares, ainda embora pontualmente, também ao menos desde a década 1930. Mas, foi entre os anos 1950-60 que se multiplicaram, além de outras tipologias, casas que exprimiam a linguagem da arquitetura moderna, a qual se tornava hegemônica no país. Formava-se, entre as elites locais, a clientela de engenheiros, seguidos pelos arquitetos recém-chegados à cidade, como o autodidata Arialdo Pinho e Moacyr Gomes da Costa - formado no Rio de Janeiro -, aos quais logo viriam juntar-se outros profissionais. Durante esses decênios, apesar do menor volume de financiamentos liberados pelas CAP e IAP - em comparação ao pós II Guerra (1946-1950) -, verifica-se, igualmente, traços inovadores tanto nas obras promovidas diretamente pelos Institutos - como o Conjunto Nova Tirol - como nas casas financiadas isoladamente, por iniciativa dos associados. Por meio das pequenas prestações, grupos de trabalhadores buscaram novas formas de morar, identificadas com a modernidade. Acompanhava-se o fenômeno - algo surpreendente - de emergência, em escala nacional, de um "modernismo popular". Propõe-se aqui levantar elementos para compreender o processo de circulação de ideias subjacente a esta incorporação de referências modernas na habitação financiada pelas CAP/IAP em Natal. Partiu-se do estudo dos aspectos formais, espaciais e construtivos de 20 unidades, cujo material iconográfico acha-se apensado aos processos imobiliários no INSS/RN; passando pela reflexão sobre o funcionamento das organizações de previdência social até encontrar, em meio a entrevistas com profissionais e consultas a jornais da época, a coleção de álbuns ilustrados com o título de "Sugestões", que serviu de referência para, ao menos, parte da produção arquitetônica moderna e popular local. Ao analisar o material gráfico e dados dos processos, verifica-se que os lotes das casas modernas variaram de 117 a 980m² e tinham de 40% a 60% de sua área ocupada. Os volumes organizavam-se em arranjos assimétricos, marcados por reentrâncias e saliências, formados por prismas retangulares e planos retos (45%), ou, mais frequentemente, blocos trapezoidais (55%). Em geral, a estrutura não se distingue das alvenarias, mas emerge em terraços, em pilares de seção circular (10%), em "V" (25%) ou esbeltos tubos metálicos (20%). Os telhados cerâmicos escondidos por platibandas (55%) ou aparentes (45%) predominam. Nesses casos, a opção de uma água com caimento lateral ou posterior, duas em formato borboleta ou desencontradas constituíram estratégias para alcançar, mediante a articulação pragmática de novos e tradicionais métodos de construção, uma imagem de modernidade. Analogamente, a forma e a disposição das esquadrias - quase sempre pequenas e de madeira (com venezianas) - tendem a enfatizar sua horizontalidade, às vezes estendida por artifícios, como frisos e revestimentos que simulariam o efeito "janela em fita".

Na configuração interna, distingue-se, em 68% dos casos, a paradigmática "setorização funcional", com circulações que resguardam a área íntima, formada por banheiro e quartos não comunicantes. Nos demais, persistem elementos como dormitórios interligados ou acessados por salas ou cozinha; além de "sala de costura" e "galinheiro" - indícios da permanência de modos de vida tradicionais, com passado rural próximo. Tais casas foram concebidas por desenhistas, práticos ou construtores sem instrução formal. Mas, a recorrência da responsabilidade técnica das obras por parte de engenheiros vinculados às agências locais das CAP/IAP suscitou a reflexão sobre o papel das próprias organizações na circulação dessas ideias, tendo em vista aspectos como: a formação de corpos técnicos ou contratação de profissionais que se deslocavam entre as regiões e amadureceram "concepções de projeto" para moradia, em diálogo com propostas vanguardistas internacionais; publicações, congressos e exposições oficiais; o trânsito rotineiro de documentos nos processos imobiliários. Esse conjunto de elementos poderia, até certo ponto, contribuir com a mobilização de referências de modernidade na moradia, mesmo em núcleos periféricos, como Natal. Todavia, a coincidência entre o desenho de uma das casas financiadas com o projeto publicado no Álbum número 5 da coleção "Sugestões - arquitetura, decoração e informações técnicas", produzida pela editora associada ao Escritório F. I. Lemos e Cia Ltda abriu espaço para outras conjecturas, confirmadas em entrevistas. Tais edições foram efetivamente usadas por práticos desenhistas e interessados em construção civil, ao passo que periódicos especializados como A Casa, Habitat, Módulo ou PDF parecem ter tido pouca ou nenhuma inserção local. As seções temáticas de casas populares, de campo, com 1 e 2 pavimentos, apartamentos, entre outros, a maioria em "estilo funcional" ou próximo ao mission style, continham plantas, perspectivas e informações básicas em três idiomas. Entre desenhos, anúncios e artigos, frases publicitárias como "antes de construir, solicite nossa opinião desinteressada sobre o projeto do seu agrado" ocupavam página de destaque. Uma ficha para envio dos dados necessários à encomenda de projeto personalizado, pelo correio, encerrava os volumes. Por meio dos financiamentos, determinados trabalhadores urbanos - bancários, comerciários, servidores públicos, industriários - tiveram, assim, acesso a moradias que incorporavam, tanto nas fachadas como na espacialidade interna, traços da arquitetura moderna, imbuídos de valores simbólicos que, pode-se supor, validavam sua inserção numa sociedade de consumo emergente. Para além da influência das obras concebidas por profissionais já existentes ou em construção na cidade, o estudo dessa produção aponta, por um lado, para nuances do papel das organizações executoras da política habitacional à época, e, por outro, para o eventual alcance de iniciativas publicitárias na promoção dessa cultura arquitetônica e, além disso, dos meios técnicos para obtê-la - inclusive à distância.


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