NOBRE, Mauricio Lisboa; Nádia Cristina DÜPPRE; NOBRE, Paulo José Lisboa; DUPNIK, Kathryn Margaret; PENNA, Gerson Olvieria; SARNO, Euzenir Nunes; JERÔNIMO, Selma Maria Bezerra;. As grandes secas, as estradas de ferro e a distribuição da hanseníase no Rio Grande do Norte. Epidemiologia e controle: Curitiba, v. 86, p. 335 - 344, 2015.

Resumo:

Introdução: A hanseníase tem distribuição irregular entre os estados brasileiros e entre diferentes municípios de um mesmo estado. Em algumas situações essas diferenças refletem fatores socioeconômicos como a concentração de casos em áreas com população de baixa renda e difícil acesso aos serviços de saúde; outras vezes essas variações são difíceis de explicar e podem estar ligadas a fatos ocorridos há tanto tempo que são esquecidos nas análises atuais. Objetivos: Apresentamos um mapeamento geográfico da endemia no Rio Grande do Norte, discutindo fatores socioeconômicos, históricos e de saúde pública, que poderiam explicar a distribuição da endemia nos municípios. Materiais e Métodos: Foram calculados os coeficientes médios de detecção da hanseníase na última década nos diferentes municípios, utilizando dados do SINAI e do IBGE. Coeficientes altos (10 ou mais casos/100.000 habitantes/ano) foram considerados como variável desfecho para análise multivariada (Stata v11.2, StataCorp/USA). As variáveis explicativas foram aquelas de ordem socioeconômica e de acesso ao serviço de saúde. Análise preliminar sugeriu que alguns municípios mais endêmicos pareciam visualmente ligados pela antiga ferrovia, por este motivo incluiu-se também como variável explicativa a existência de estação de trem no município. Resultados: A análise bivariada demonstrou que a presença de estação ferroviária no município estava associada aos altos coeficientes de detecção com OR 4,8 vezes maior (IC95%=2,1-11,1) quando comparados àqueles municípios sem estação. Quando as demais variáveis foram incluídas na análise multivariada: taxa de mortalidade infantil, renda por capita, PIB per capita, tamanho da população e grau de escolaridade, a associação com a presença de estação ferroviária passou a ser 6,1 (OR ajustada=6,1; IC95%=2,5-14,9). Conclusão: Na região Nordeste do Brasil a mais importante causa de migração são secas prolongadas, destacando-se historicamente as grandes secas do final do século XIX e início do século XX, quando cerca de três milhões de pessoas emigraram do sertão para as principais cidades. Algumas cidades receberam entre 10 mil e 500 mil migrantes e milhares de nordestinos morreram de fome, sede e em consequência de epidemias como a da varíola. Uma estratégia adotada pelo Governo para reduzir os danos foi a migração forçada daquela população para os seringais do Pará e Amazonas, onde as condições de trabalho comparavam-se à escravidão; por este motivo, um grande número de pessoas retornou posteriormente aos seus estados de origem. Outra estratégia utilizada no mesmo período para combater as secas foi a construção das ferrovias, com o objetivo de empregar os migrantes e de interligar as cidades, favorecendo o escoamento agrícola em anos prósperos e o socorro à população em períodos de estiagem, estimulando-se assim a criação e o desenvolvimento das cidades ao longo das estradas de ferro. Tendo em vista que a hanseníase já era considerada um problema no Pará cerca de 60 anos antes dos primeiros casos aparecerem no RN, acreditamos que os movimentos migratórios bidirecionais e o emprego alternativo dos migrantes nos seringais e na construção das ferrovias, associados às precárias condições de vida, foram fatores importantes ligados à introdução dos primeiros casos e à atual distribuição da doença no Estado.

Palavras-chave: hanseníase; migração; região nordeste.

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